O Jantar
O dia amanheceu nublado. Vera olhava pela
janela e não percebeu a chegada de sua irmã. Sandra tocou-lhe no ombro e disse:
- Onde você estava? Estou falando, falando
e você não me responde.
- Desculpe Sandra, eu estava distraída.
- Distraída? Você estava a quilômetros
daqui. Vamos lá minha irmã diga o que a
está preocupando.
- É coisa minha.
- Vera moramos juntas a tempo suficiente para
eu saber que “é coisa minha” é algo que você quer contar mas está com receio da
minha opinião. Vamos lá, você vai falar ou eu vou adivinhar?
- Não dá pra esconder nada de você não é
mesmo?
- Vera você é quase transparente e aposto que
esse ar de desamparo tem a ver com o convite para o jantar de encontro da turma
da faculdade. Acertei?
- Ar de desemparo? Você não acha que está
exagerando?
- Não Vera, é só olhar pra você. Você já
resolveu se vai?
- Não.
- Por que não?
- Porque não sei quem vou encontrar, a
formatura foi a tanto tempo e você sabe como foi difícil pra mim.
- Vera, pelo amor de Deus. Na formatura você
tinha vinte e três anos, hoje é uma
médica bem sucedida, fez vários cursos, tem um trabalho reconhecido e um belo
cargo num dos hospitais pais requisitados deste pais. Por que essa insegurança?
- Não sei, quando me lembro do passado...
- Vera você está com medo de rever o Luiz
Otávio? Eu não acredito nisso.
- Sandra para você é bobagem, mas para mim
não. Eu estava apaixonada, nosso namoro
ia bem até aparecer aquela tal de Cláudia, e você sabe o resto da história.
- Sim eu sei, aquele idiota deixou você
plantada no baile por causa da tal de Cláudia. Vera, francamente, você é uma
mulher bonita, uma profissional competente, com uma carreira brilhante e se
deixando levar por um engano do passado, por uma pessoa que todos sabiam que
não te dava valor. Você deixou essa dor ficar ai dentro por vinte anos Vera? Eu
não posso acreditar.
- Sandra eu não preciso que você acredite ou
não é a minha vida e você não tem nada com isso.
- Talvez eu não tenha mesmo nada a ver com
isso. Agora ver a minha irmã mais velha sozinha, triste, se matando de
trabalhar, sem aproveitar um pouco que seja da vida, isso é da minha conta sim.
Você tem que ir a essa jantar para exorcizar esse fantasma. Para encontrar a
alegria que você deixou esquecida naquele baile. Minha irmã você precisa
acordar e viver. A vida é preciosa demais para ser colocada de lado porque um
amor não deu certo. Você ficou sozinha esses anos todos sem dar chance a nenhum
homem de conhece-la, de que vissem a pessoa maravilhosa que você é. Isso, que
você queira ou não, é sim da minha conta. E eu vou fazer de tudo para você ir a
esse jantar.
Vera ia retrucar mas a chegada de Paulo,
marido de Sandra, não lhe deu tempo.
- Boa tarde meninas, interrompo?
- Não Paulo, mas você pode me ajudar a por um
pouco de juízo na cabeça dessa minha irmã.
-
Juízo na cabeça da Vera? Sandra o que deu em você?
- Eu quero que ela vá ao jantar de reencontro
da turma de medicina e ela não quer porque teme encontrar o Luiz Otávio.
- Sandra agora você foi longe demais.
Envolver o Paulo nos meus assuntos pessoais é inadmissível. Eu vou para o
hospital e quando eu voltar não quero falar mais nesse assunto. Não vou e
acabou, espero que tenha ficado bem claro para você.
Vera saiu batendo a porta, coisa que ela não
costumava fazer. Paulo questionou a esposa:
- Sandra o que você fez?
- É uma longa história.
- Então venha cá e me conte, tenho todo tempo
do mundo e gosto muito da irmã. Não quero que vocês briguem por uma bobagem.
Sandra então contou ao marido o que havia
acontecido no baile de formatura da irmã.
- Sandra se isso foi tão difícil pra Vera,
porque você quer que ela vá a esse jantar?
- Por que ela se isolou do mundo. Paulo
estamos casados a cinco anos, a Vera mora aqui conosco a dois anos. Qual foi a
última vez que você a viu sair para dar um cinema com amigos, ou mesmo sair
conosco para um barzinho?
- É mesmo, você sabe que eu não tinha
reparado nisso.
- Aí é que está, todos estamos acostumados a
ela entrar e sair, de uniforme para ir ao hospital, para atender algum paciente
em casa, para um curso novo, para um congresso, mas nunca para um passeio.
- E você acha que tudo isso é por causa de um
cara que ela namorou na faculdade?
- Tenho certeza, toda vez que toco no assunto
ela se irrita e diz que não é da minha
conta. Eu converso com algumas enfermeiras lá do hospital e elas são unanimes:
a Vera não aceita nenhum convite para sair principalmente ser for de algum
médico. Sabe qual é a desculpa dela?
- Já posso imaginar.
- Exatamente: ela está temporariamente
morando conosco e não quer atrapalhar a nossa rotina, ou então vai ficar com as
crianças para nos podermos sair. Eu quero apenas que ela viva um pouco fora da
profissão. Que encontre alguém que a mereça e a faça feliz.
- Tem alguma coisa que eu possa fazer? Eu
gosto muito da Vera. É a irmã que eu não tive.
- Não Paulo, eu vou continuar insistindo. O
jantar é no dia 28, faltam dez dias, quem sabe até lá eu consigo dobrá-la.
- Está bem Sandra, não vou interferir. Ela é
sua irmã, você a conhece melhor do que eu. Se houver uma chance, por menor que
seja eu falo alguma coisa. Combinado?
- Combinado.
Alguns dias depois, Paulo estava tomando o
café da manhã quando Vera chegou.
- Bom dia!
- Bom dia Vera, venha tomar café eu acabei de
passar.
- E a Sandra?
- Ela ainda está dormindo. Hoje eu preciso
chegar mais cedo, teremos reunião de diretoria e quero repassar os slides antes
da reunião começar. Da última vez tinha uma palavra escrita de forma incorreta,
ai já viu né? Parece que no texto todo só se vê a tal palavra.
- Eu sei como é, já passei por isso.
- O plantão foi calmo?
- Foi, não houve nenhuma emergência para
cirurgia. Fizemos apenas as visitas e acompanhamentos de rotina. Paulo eu
queria me desculpar por outro dia, sai batendo a porta.
- Não se preocupe Vera, às vezes dá vontade
de fazer isso mesmo. Mas tente entender a Sandra, ela gosta muito de você.
- Eu sei, pensei muito sobre o que ela disse
e confesso que tenho evitado falar com ela sobre esse assunto.
- Olha Vera eu sei que você passou por um
momento difícil, todos pensam que para nós homens ser posto de lado encaramos
numa boa, mas não é assim não. O sentimento de perda, a frustração ou talvez a
quebra do orgulho, é terrível.
- Quebra de orgulho?
- É orgulho. Quando somos feridos no nosso
orgulho nos impedimos de olhar a vida com clareza. Digamos assim, ser passados
pra trás é terrível para nosso orgulho, porque passamos a questionar o que
fizemos de errado, nos culpamos pelo abandono, quando não temos culpa nenhuma.
Quem nos deixou sem motivo ou sem uma palavra de despedida é que deveria estar
preocupado com o porque e não nós.
- Falar assim parece fácil.
- Não é fácil não. Tente ver o outro lado.
Será que se vocês tivessem ficados juntos teriam sido felizes? Onde está ele
agora? E você? Onde está agora? Será que não é melhor ele voltar a vê-la linda
como você está hoje? Será que você preocupada em só olhar para esse cara, não
deixou algum coração partido?
- Você está sendo mais psicólogo do que a
Sandra.
- Eu? Psicólogo? Não cunhada, sou advogado e
aprendi a sempre olhar os dois lados na história. Agora preciso ir. Você
trabalhou a noite toda e precisa descansar, eu vou encarar aquela turma da
engenharia.
- Obrigada Paulo, tenha um bom dia.
Vera continuava sentada a mesa segurando uma
xícara de café quando Sandra aproximando-se disse:
-Bom dia Vera, não ouvi você chegar.
- Bom dia Sandra, cheguei ainda a pouco,
estava conversando com o Paulo, acordei você?
- Não, já estava na hora de levantar, daqui a
pouco vou acordar as crianças para irem a escola.
- Sandra você contou pro Paulo sobre o Luiz
Otávio?
Sandra
sentiu-se ruborizar:
- Contei sim Vera, aquele dia que você saiu
batendo a porta eu estava furiosa com você e acabei contando para o Paulo.
- Acho que você fez bem. Sabe seu marido
parece ter o poder de convencer as pessoas a tomar decisões que estavam
suspensas.
É o
Paulo é muito bom com as palavras e
consegue enxergar detalhes que muitas vezes nos passam despercebidos.
- É isso mesmo, sabe ele me fez ver que tenho
agido com uma certa infantilidade desde que me formei, você tem razão, vou ao
jantar e se ainda houver tempo, vou rever minha vida.
Sandra levantou-se e abraçando a irmã disse:
- Puxa Vera que bom. Fico muito feliz com
isso, tenho certeza que você vai encontrar alguém muito legal para dividir com
você tudo o que a vida tem a oferecer.
Obrigada mana, agora vou precisar de você
preciso me atualizar com a moda, cabelo, maquiagem...
- Conte comigo Vera, você vai ser a mulher
mais linda da noite.
No dia do jantar, Vera entrou na sala e todos
a olharam admirados:
- Nossa tia Vera, você tá linda.
- Obrigada meu amor, consegui tudo isso com
ajuda da mamãe.
Sandra respondeu:
- Nada disso, você é uma linda mulher, agora
sorriso no rosto e confiança em si, vá ao jantar e divirta-se.
Paulo perguntou:
- Você vai dirigir ou quer que eu chame um
taxi?
- Vou dirigir Paulo, não se preocupe.
- Bom jantar cunhada, divirta-se.
- Obrigada. Vocês são uns amores.
Chegando ao restaurante onde seria realizado
o jantar, Paula observou que havia manobristas para estacionar o carro,
enquanto ela orientava um deles sobre o alarme do carro, um homem aproximou-se
e colocou-se ao lado dela assustando-a.
- Desculpe-me Vera, não tive intenção de
assustá-la.
- Desculpe-me você sabe meu nome e eu me
lembro do seu rosto, mas me perdoe quem é você?
- Meu nome é Arthur, lembra? Eu assistia às
aulas de anatomia ao seu lado. Era a única aula que o Luiz Otávio não estava
próximo a você.
- Meu Deus é claro, Arthur, me desculpe, é
que faz tanto tempo.
- Pois é vinte anos. Eu perdi você no baile
de formatura, mas hoje não vou deixa-la sair de perto de mim. Claro a menos que
você me diga que seu marido ou namorado chegarão daqui a pouco.
Vera
sorriu e disse:
- Eu não me casei e não estou namorando, mas
você? Não se casou? Será que a sua namorada não está pra chegar?
- Não Vera, não me casei. Depois da formatura
eu achei que você havia se casado com o Luiz Otavio. Fiz residência aqui no
Brasil e quando terminei recebi um convite para ir para o Canadá, voltei ao
Brasil este ano. Alguns dias atrás eu o
encontrei e ele me disse que vocês tinham se separado logo após o baile. Quando
recebi o convite para o jantar renovei minhas esperanças de que a encontraria e
aqui estou.
- Por que você não se casou?
- Porque não encontrei ninguém que
despertasse em mim a emoção que você despertou quando estávamos estudando.
- Você nunca disse nada, eu jamais percebi
...
- Eu sei, você só tinha olhos para o Luiz
Otávio, eu não podia fazer nada apenas ama-la de longe. Como disse um poeta
certa vez: “ se naquele tempo eu soubesse o que sei agora eu não teria perdido
você”, eu teria ido atrás de você quando a vi correr para o carro do seu pai e
ir embora antes da valsa dos formandos terminar.
- Puxa Arthur que palavras lindas, será que
ainda a tempo pra nós?
- Tenho tanta certeza disso que adiei meu
retorno ao Canadá apenas para estar aqui esta noite com você.
- Obrigada, você não sabe como suas palavras
estão sendo importantes na minha vida. Se eu tivesse mais maturidade na época
certamente não teria fugido do baile, mas sim voltado e aproveitado aquela
noite.
- Então vamos aproveitar esta noite e deixar
que o tempo se encarregue de nos mostrar o que faremos a seguir.
Assim Vera e Arthur, de mãos dadas, entraram
no restaurante onde reencontraram os amigos que não viam há exatos vinte anos.
Cristina Cimminiello
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